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A Legislação de Condomínios: Um Desajuste com a Realidade

A Legislação de Condomínios

Por Alexandre Teixeira Mendes

O setor da administração de condomínios no país enfrenta desafios estruturais que expõem o desajuste das disposições legais face às exigências da prática. Apesar de avanços pontuais, como o alargamento do prazo para realização das assembleias ordinárias até ao final do primeiro trimestre (anteriormente restrito até 15 de janeiro), a legislação continua a ignorar a dinâmica real do setor, gerando ineficiências e obstáculos desnecessários.

A Realidade Impõe-se: Assembleias no Ciclo de Exercício

É inegável que a gestão profissionalizada de condomínios, em crescimento nos últimos anos, torna inviável a concentração das assembleias ordinárias num curto período de tempo. A prática de alinhar estas reuniões com o ciclo de exercício do condomínio, em vez do ano civil, tem demonstrado ser mais eficaz, aceite e até preferida pelos condóminos. Condomínios que iniciam a sua gestão em meses como novembro enfrentam o absurdo de serem obrigados a realizar assembleias poucos meses depois, sem que haja um ciclo económico-financeiro completo para prestar contas.

Esta prática da opção pelo ano de exercício (ao invés do ano civil) não só respeita a lógica de gestão financeira como evita sobrecargas no calendário das administrações. A legislação atual, ao insistir na concentração das assembleias no início do ano (embora se entenda não se tratar de um prazo imperativo, outrossim uma indicação legal que à administração incumbe a realização de uma assembleia anual), ignora a realidade que já se impôs de forma funcional e sem prejuízo dos direitos dos condóminos.

A Ausência de Quórum: Um Entrave Frequente

Outro ponto crítico é a exigência de quórum nas assembleias, mesmo em segunda convocatória (25% do capital investido). Apesar da permissão para a realização de assembleias por meios telemáticos, a ausência de quórum persiste e é até um problema crescente, dificultando a gestão e a tomada de decisões essenciais para o condomínio.

Na prática, os administradores acabam presos a um ciclo de tentativas frustradas de realizar assembleias, muitas vezes sem sucesso. Os Bancos exigem atas anuais, contratos, obras, quotas dependem da aprovação dos condóminos e questões operacionais ficam paralisadas por falta de decisão. É urgente que o legislador acompanhe o exemplo de outras jurisdições ou áreas do direito, permitindo que, em última instância e após comprovadas tentativas razoáveis, as deliberações essenciais possam ser tomadas, assegurando a continuidade da vida do condomínio, desde que assegurado o Compliance das convocatórias ou, por exemplo, aposto no regulamento do condomínio.

A Apresentação de Orçamentos: Um Impasse Legal

Um dos entraves legais mais frequentes refere-se à exigência de apresentação de três orçamentos em determinadas circunstâncias, como a realização de obras ou a contratação de serviços. Embora esta disposição vise assegurar maior transparência e competitividade, a realidade revela a sua ineficácia em muitos casos.

Nem sempre é possível obter três orçamentos, seja pela ausência de prestadores disponíveis para o serviço em questão, seja pela especificidade da intervenção necessária. A legislação prevê que a assembleia possa deliberar com os orçamentos apresentados, mas, caso não o faça, surge mais um bloqueio que pode arrastar-se indefinidamente, impedindo o avanço de projetos essenciais à manutenção ou melhoria dos edifícios. Este tipo de impasse demonstra, mais uma vez, o distanciamento entre a norma legal e a prática quotidiana.

Responsabilização e Consequências Jurídicas

A crescente profissionalização da atividade de administração de condomínios exige maior responsabilização por parte dos agentes envolvidos. A legislação, no entanto, não prevê consequências adequadas para a inação ou omissões nas obrigações legais. Questões cruciais como a constituição do fundo comum de reserva, a elaboração e envio de atas, a apresentação de contas ou a solicitação do comprovativo de seguro individual por parte dos condóminos permanecem sem sanções claras.

Embora a fiscalização pelos próprios condóminos e o recurso aos tribunais sejam mecanismos existentes, estes são insuficientes para garantir a celeridade, eficácia e a dignidade de uma atividade tão vital para a sociedade e a economia nacional.

Conclusão

O setor de condomínios desempenha um papel crucial na organização da vida coletiva, impactando diretamente a qualidade de vida e a sustentabilidade financeira de milhões de cidadãos. No entanto, a legislação permanece anacrónica e desajustada às exigências do setor. É imperativo que o legislador reconheça estas lacunas e adote medidas que alinhem o quadro legal com a realidade, promovendo um setor mais eficiente, profissional e responsável.

A consulta aos agentes que operam no setor, em particular às suas associações representativas, seria um passo essencial para assegurar que as alterações legislativas reflitam a realidade prática e as necessidades concretas de quem lida diariamente com a gestão do condomínio. O diálogo com profissionais e entidades especializadas permitirá construir um quadro normativo mais ajustado, moderno e funcional.

O caminho para um setor mais justo e eficiente passa pela modernização das disposições legais e pelo reconhecimento da importância da atividade de administração de condomínios para a sociedade e a economia nacional.

Artigo publicado a 16-01-2025 no “O Informador Fiscal”.