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O Novo Regime do Alojamento Local em Edifícios de Propriedade Horizontal: Inovação ou Obstáculo?

Novo Regime do Alojamento Local

Por Alexandre Teixeira Mendes

O regime do alojamento local (AL) tem sido um tema central no debate legislativo em Portugal, especialmente no contexto de edifícios em propriedade horizontal, tendo sido sucessivamente alvo de significativas alterações legislativas e interpretações jurisprudenciais, refletindo a tentativa do legislador de equilibrar os interesses dos proprietários com os direitos dos condóminos: por um lado, o estímulo ao turismo e à economia e, por outro lado, o direito dos condóminos ao sossego e à segurança.

A mais recente alteração ao regime, efetuada através do Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, trouxe mudanças significativas à forma como a exploração de AL pode ser gerida nos condomínios, numa tentativa de mitigar os conflitos recorrentes entre condóminos e proprietários que exercem esta atividade. Este artigo examina essas alterações, contextualizando-as no histórico legislativo e na jurisprudência relevante, avaliando se estas alterações beneficiam ou prejudicam os condomínios.

Enquadramento Histórico e Evolução Legislativa

1. Regime Original: Decreto-Lei n.º 128/2014 e Lei n.º 62/2018

O Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, trouxe a primeira regulamentação formal do AL, definindo as condições de exploração e registo. Não impôs restrições significativas ao uso das frações, permitindo o exercício da atividade em imóveis classificados como habitação, serviços ou escritórios, salvo disposições específicas dos municípios.

Com o aumento de conflitos entre condóminos e proprietários de frações destinadas a AL, a Lei n.º 62/2018 introduziu medidas para proteger o interesse coletivo, como a possibilidade de assembleias de condóminos limitarem ou proibirem o AL em certas condições. Ainda assim, o regime era criticado pela falta de eficácia na resolução de litígios e pela indefinição de competências.

Estes diplomas introduziram o registo obrigatório do AL junto das autoridades locais e a exigência de requisitos técnicos e de segurança para os imóveis, sem que os condóminos tivessem uma interferência significativa na instalação de unidades de AL.

O regime exigia apenas que as frações utilizadas para AL respeitassem o destino previsto no título constitutivo da propriedade horizontal, o que frequentemente gerava interpretações divergentes.

Embora muitas frações tivessem como destino “habitação”, a exploração de AL era amplamente permitida em frações destinadas a serviços ou até mesmo a escritórios, com base na interpretação de que o AL não violava o fim indicado no título constitutivo, uma vez que se tratava de uma atividade económica similar ao arrendamento temporário.

Este entendimento, que favorecia a liberalização da atividade de AL, era acompanhado pela jurisprudência díspar, com algumas decisões judiciais reconhecendo a possibilidade de impedir o AL apenas em casos de abuso de direito por parte do proprietário.

2. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 2023

Este tema foi esclarecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), nomeadamente pelo Acórdão de 21 de março de 2023 (Processo n.º 682/21.8T8LRS.L1.S1). O STJ considerou que o AL não é compatível com o destino de serviços ou escritórios, devendo respeitar o uso habitacional, salvo estipulação em contrário no título constitutivo. Esta decisão restringiu significativamente a possibilidade de instalação de AL em frações destinadas a serviços ou escritórios, contrariando a prática até então em alguns municípios. Este entendimento gerou debate sobre a sua aplicabilidade e impacto no mercado, dado que até então muitos registos de AL haviam sido efetuados em imóveis destinados a outros usos.

3. Decreto-Lei n.º 76/2024: Inovação e Consolidação

Em resposta à jurisprudência e às pressões crescentes sobre o setor, a que a alteração de Governo não terá sido alheia, o legislador aprovou o Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, que trouxe mudanças de fundo no regime do AL em propriedade horizontal. As principais alterações incluem:

Oposição ao AL por deliberação fundamentada:

  • A assembleia de condóminos pode opor-se ao exercício do AL em frações autónomas ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, desde que a decisão seja aprovada por mais de metade da permilagem do edifício.
  • A oposição deve ser fundamentada na prática reiterada e comprovada de atos que:
    – Perturbem a normal utilização do prédio;
    – Causam incómodo e afetam o descanso dos condóminos.
  • Para formalizar a cessação da atividade, a assembleia deve apresentar a fundamentação ao presidente da câmara municipal territorialmente competente, que tomará a decisão final.

Sanção de cessação temporária:

  • Em caso de cessação determinada pela câmara municipal, o imóvel fica impossibilitado de ser explorado para AL, independentemente do titular da exploração, por um período máximo de cinco anos.

Regras de compensação ao condomínio:

  • Tal como nos regimes anteriores, os proprietários de frações destinadas a AL continuam obrigados a contribuir com uma taxa adicional para a manutenção das partes comuns do edifício.

Flexibilidade na afetação do uso da fração: O novo regime não impõe obrigatoriamente que a fração seja destinada a uso habitacional para poder ser explorada como AL, desde que tal seja compatível com o título constitutivo ou regulamentação municipal.

A criação do provedor do alojamento local, com funções de mediação e defesa dos interesses das partes envolvidas. A Criação do Provedor do Alojamento Local representará uma solução de mediação? Sendo certo que se trata de uma importante inovação, a mesma não está isenta de críticas.

Se por um lado, esta inovação facilita a resolução de conflitos entre condóminos e proprietários exploradores de AL, evitando processos judiciais prolongados e oferece um ponto de contacto especializado, contribuindo para uma gestão mais célere e justa dos conflitos, a verdade é que, por outro lado, a ausência de força vinculativa nas suas decisões pode limitar a sua eficácia e a sobrecarga administrativa para os municípios pode atrasar a implementação prática.

Impactos nos Condomínios

Aspetos Positivos:

1. A exigência de fundamentação para a oposição ao AL garante que decisões não sejam tomadas de forma arbitrária, protegendo os direitos dos proprietários exploradores de AL e os investidores cujo impacto para a economia local e nacional não é despiciendo.

2. A possibilidade de cessação temporária por até cinco anos representa uma sanção significativa que pode dissuadir comportamentos inadequados e mitigar os impactos negativos da atividade, a contento da segurança e sossegos dos condóminos.

Aspetos Negativos:

1. O quórum exigido para aprovar a cessação do AL (mais de metade da permilagem) em situações extremas de ruído ou insegurança provocados pelo AL, pode dificultar a tomada de decisões em condomínios de maior dimensão ou com proprietários ausentes.

2. A necessidade de comprovar de forma objetiva os atos perturbadores pode levar a litígios internos nos condomínios e atrasos na implementação de medidas.

3. A cessação da atividade por cinco anos pode ser desproporcional em alguns casos, afetando economicamente os proprietários, criando barreiras ao investimento em AL, particularmente em zonas urbanas densas, onde a coexistência entre AL e habitação é mais problemática.

Conclusão

O regime do Decreto-Lei n.º 76/2024 representa um avanço no equilíbrio entre os interesses coletivos do condomínio e os direitos dos proprietários de frações destinadas a AL. Ao introduzir critérios claros, um processo regulamentado para a oposição à atividade e mecanismos mais robustos de controlo e mediação, reduz incertezas e protege todas as partes envolvidas.

Embora a figura do provedor do AL e as novas competências das assembleias de condóminos sejam passos na direção certa, a eficácia do regime dependerá da sua aplicação prática e do equilíbrio entre os direitos dos condóminos e os interesses dos proprietários, permitindo que estes sejam cooperantes (e não conflituantes), em muito contribuindo a futura atuação das administrações do condomínio e dos municípios.

Artigo publicado a 17-12-2024 no “O Informador Fiscal”.